Artigo publicado recentemente no 1º Seminário da Região Norte: Educação, Arte e Intercultura pelo Professor do Curso de Teatro da Universidade do Estado do Amazonas, Jhon Weiner de Castro.
ESPAÇO TEATRAL:
DEFINIÇÕES E TERMOS ATRELADOS AO TEATRO DE RUA
Eixo Temático: Produções Artísticas
JHON WEINER DE CASTRO[1]
(Universidade do Estado do
Amazonas - UEA, AM)
RESUMO:
Este trabalho tem o intuito de
explanar alguns aspectos sobre a relação que se dá entre espaço teatral e
produção artística, sobretudo no Teatro de Rua. Resulta-se de pesquisas
realizadas no Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal de
Uberlândia - UFU. Suscita reflexões acerca das definições dadas ao termo “espaço”,
considerando referências distintas de pesquisadores-artistas do Brasil e mesmo
de outros países. Longe de determinar formas e conceitos fixos para se referir
ao espaço, esse artigo visa abordar e considerar as diferentes definições dadas
ao assunto. Após relacionar, comparar e classificar determinados conceitos acredito
ser possível atribuir termos mais específicos ao tema estudado. Com base nas
referências trazidas para elucidar os significados, e com exemplos que
demonstram uma evolução do espaço teatral, admitindo, especialmente no Teatro
de Rua, as influências que um determina sobre o outro, pode-se pensar e criar
termos mais específicos para cada situação pesquisada. Após discorrer sobre os
termos mais utilizados em publicações sobre o assunto chega-se a proposição de
um breve glossário vinculando espaço e teatro.
Palavras-chave: Espaço – Teatro de Rua – Termos.
1 INTRODUÇÃO
O espetáculo
teatral, quando realizado na rua, segue padrões e influências que o determinam
e o diferenciam claramente de uma encenação apresentada em outros ambientes,
como o tradicional palco italiano, por exemplo. Para conhecer e determinar
elementos específicos da linguagem do Teatro de Rua e relacioná-los a uma
montagem teatral requer a aceitação de que o espaço nessa situação é bastante
característico. E também é necessário compreender que a peça sofre influências
múltiplas e modifica-se consideravelmente a cada escolha de um novo local para
a apresentação. Afinal, o espetáculo na rua é dependente até mesmo da relação e
visão que o próprio espectador faz dele com o meio onde está sendo apresentado.
Como exemplo, na obra Teatralidade e
Cidade, a pesquisadora Zilá Muniz
comenta que o “espaço teatral que se insere e invade o espaço público
estabelece outras relações entre os níveis imagéticos criando relações entre
transeunte e ambiente” (MUNIZ, 2011, p. 79), o que então, passa também a ser
considerado.
Compreendendo a
relação intrínseca existente entre o Teatro de Rua e o espaço no qual se
desenvolve esse tipo de arte, podemos então estabelecer determinados conceitos
à modalidade. Aliás, de forma geral, as ideias que temos sobre as inferências
da escolha de um espaço para uma determinada encenação podem ser atribuídas à
montagem cênica em diversas outras ocasiões e não somente no Teatro de Rua. Não
dá para negar a relação e influência que os espaços utilizados em distintos
períodos da História do Teatro exerceram sobre a produção teatral contemporânea
a cada um deles; isso, tanto em espaços abertos quanto nos espaços fechados. E
tal consideração pode se relacionar aos espaços construídos especificamente
para receber as encenações teatrais, ou mesmo àqueles classificados como não
convencionais para o teatro.
Assim, esse
trabalho visa despertar um olhar direcionado para a relação entre espaço teatral
e a produção artística, sobretudo no Teatro de Rua. E embora recorra a exemplos
de outras modalidades não diretamente ligadas à rua[2],
o foco tende a se voltar para as encenações desse tipo de espaço. Isso por dois
motivos principais; o primeiro remete ao forte caráter de interação que uma
apresentação de rua tem com o local onde ela se desenvolve; e o segundo devido ao
interesse e necessidade de abordar especialmente esse tema. Outra consequencia
originada a partir da pesquisa sobre espaço cumina em estudos sobre definições e
termos adivindos de inúmeros conceitos atrelados a esse tema.
2 DESENVOLVIMENTO
O desenvolvimento
e evolução da encenação teatral sempre estiveram intrinsecamente atrelados ao
espaço onde se davam e ainda se dão as apresentações cênicas. Na Grécia, por
exemplo, tínhamos as arenas e semiarenas com estruturas que possivelmente
determinavam o tipo de uso e uma direta ligação (dos atores e da dramaturgia)
com o que era posto sobre o espaço cênico, conforme analisado na obra de César
Oliva e Francisco Monreal, quando os autores se referem às skenes[3]
e aos espaços onde eram apresentadas as peças gregas.
Outro uso muy posible era el
de servir de espacio escénico a los dioses que formablam parte del reparto
escénico. La dimensión altura tenía
su simbolismo en el teatro griego. Por médio de la maquinaria, los dioses
descendían a lo largo del muro (es el deus
ex machina). Su actuación no debería situarse al mismo nivel de los
personajes humanos. (OLIVA & MONREAL, 1994, p. 42)
Em outro exemplo
histórico, ainda sobre a relação do Teatro com espaço (também referente a
encenações ocorridas em ambiente abertos) temos na Idade Média o surgimento do
carro-palco, onde a possibilidade de deslocamento pelo espaço ao ar livre na cidade
propiciava outras formas de interação do público com o espetáculo teatral. Esse
uso característico originou significativas implicações na criação e execução
das montagens cênicas do período.
(...) os espectadores podiam
movimentar-se de um local de ação para o outro, assistindo à sequência das
cenas à medida que alteravam a própria posição; ou então as próprias cenas,
montadas em cenários sobre os carros, eram levadas pelas ruas e representadas
em estações predeterminadas. (MARGOT, Berthold. 2010, p. 209).
Não é difícil
perceber que as inferências do espaço teatral sobre o espetáculo podem
estabelecer conexões mesmo antes de a peça começar a ser ensaiada. Se a
estrutura interfere na movimentação e criação dos atores, bem como na interação
com o público, também pode interferir desde a elaboração da dramaturgia, muitas
vezes criada para um espaço específico. Haja vista as inúmeras cenas de balcão
presentes nos textos de William Shakespeare, demonstrando uma estreita e íntima
ligação com o espaço do palco elisabetano. Comumente, outras questões atreladas
ao espaço despontam na dramaturgia shakespeariana. Ao descrever a estrutura
arquitetônica relacionada ao prédio[4]
teatral do final do século XVI, o pesquisador Bill Bryson desmonstra essa
relação entre o dramaturgo e o espaço onde ocorrerá a apresentação:
O esboço mostra um grande
palco que se projeta para a plateia, em parte coberto, com uma torre atrás que
contém um espaço conhecido como casa de tiring
(abreviação de attiring, “vestuário”)
ou vestiário – um termo cujo uso registrado mais antigo se encontra em Sonho de uma noite de verão, de William
Shakespeare –, onde os atores trocavam de roupa e pegavam objetos de cena.
Acima do vestiário havia galeria para músicos e plateia, assim como espaços que
podiam ser incorporados à apresentação, para cenas de balcão e semelhantes.
(BRYSON, 2008, p. 69).
Do teatro
realizado na Grécia, a mais de 2500 anos atrás, ao teatro do século XXI,
percebemos como o espaço evoluiu e transformou-se, consequentemente influenciando
as encenações ao longo da história teatral. E embora muitas das características
estéticas ainda possam se assemelhar, propostas teatrais distintas existem e
constantemente são experimentadas. Tais propostas não se restringem apenas aos
locais com uma arquitetura projetada especialmente para o Teatro, como vemos
nos registros históricos que trazem inúmeros exemplos da utilização de espaços
abertos e não convencionais, para apresentações cênicas. E não devemos esquecer
que a ação teatral se desenvolveu por mais tempo em espaços ao ar livre que em
salas projetadas. Nesse contexto, a pesquisadora Lidia Kosovski traz uma visão
histórica sobre uma perspectiva de rompimento com os espaços fechados diante as
novas possibilidades e experimentações do século XX. Em suas considerações, a
autora descreve uma relativa tensão contrária aos espaços fechados e
convencionados para o teatro.
A força da experiência
dentro do edifício, talvez justamente pela tensão produzida entre a natureza
dionisíaca da expressão teatral e as amarras e limites impostos por uma
geografia determinada e disciplinadora, inscreveu o século XX na História do
Teatro, como um século de “explosão do espaço”, em que o teatro europeu se
dilatou, e em um certo viés reenglobou o espaço físico da cidade como palco.
(KOSOVSKI, 2005, p.11).
Assim como as
possibilidades de uso, são variados e diferentes os conceitos de estudiosos
sobre o assunto espaço, mesmo quando se relaciona apenas ao Teatro de Rua
diretamente. Essas variações tornam-se ainda maior quando se amplia o estudo
para outras áreas que não a teatral especificamente, como arquitetura, estudos
sobre a sociedade, patrimônio, etc. Mas em comum, as observações e pesquisas
que lidam com o fazer teatral, comumente trazem uma visão relacionada à capacidade
de influência e interferência que um determinado espaço poder exercer sobre uma
obra artística. O pequisador teatral, Narciso Telles, ao comentar sobre o
Teatro de Rua e espaço, traz uma reflexão referente às pesquisas realizadas
nesse campo, onde a relação entre o Teatro e a cidade suscita uma série de
especificidades a respeito desse acontecimento.
Esses conceitos de análise
da relação com o espaço – cênico e urbano, propiciam a reflexão em torno da
ação teatral na cidade e dos efeitos de teatralidade gerados por esses
acontecimentos. Torna-se importante verificar que estes efeitos ocorrem em
diversas ordens e escalas, o que demonstra a especificidade do teatro de rua e
seus modos de fazer. (TELLES, 2008 p. 14).
Se da relação
teatro-espaço surgem outras análises que influenciarão até mesmo no modo de
fazer, ou seja, no processo de realização do espetáculo, evidencia-se,
portanto, certa interdependência desses assuntos (teatro e espaço). De tal
forma, considerar a influência de um sobre o outro, demanda compreender quais
as possibilidades na criação e na apresentação de uma montagem, sobretudo para
o Teatro de Rua. Isso porque nessa modalidade teatral o espaço é mutável e o
espetáculo se depara com inúmeras circunstâncias passíveis de serem incorporadas
ou rejeitadas. Tal articulação tornou-se assunto de pesquisa recorrente na
década de 80, quando começaram a surgir trabalhos escritos abordando as ideias
de encenadores atentos ao desdobramento que se dava entre criação teatral e o
espaço. Na França, Jean-Jacques Roubine reúne uma análise acerca da “explosão
do espaço” (1980); da Alemanha, Jean-Jacques Alcandre (1987) instiga o
pensamento sobre as articulações desse assunto.
Toda obra de criação, tanto
no domínio da literatura quanto no das artes do espetáculo, se caracteriza por
se inscrever no espaço, respeitando as modalidades específicas de cada uma
destas manifestações artísticas. A criação teatral apresenta traços
particulares que, por sua vez, determinam as articulações características do
espaço teatral. (ALCANDRE, 2003, p. 9).
E se os trabalhos
escritos traziam essas reflexões, é porque acompanhavam a intensa prática
cênica que se aprofundava ainda mais nos experimentos relacionados ao espaço
teatral. Haja vista os incontáveis grupos, companhias, coletivos, artistas,
engajados na criação de montagens em espaços abertos. Em todo o mundo,
encenações fora dos espaços convencionais eram desenvolvidas, inclusive no
Brasil, onde se observa um considerável surgimento de grupos de Teatro de Rua
nesse período.
Com tanta atenção
dada à criação e pesquisa cênica atrelada ao espaço teatral, começaram a surgir
definições cada vez mais específicas. Essas se desdobravam em ramificações de
conceitos para analisar tanto o todo quanto elementos mais pontuais. Com isso,
termos e significados foram sendo introduzidos na linguagem teatral.
A seguir, esse
trabalho apresenta algumas das definições que temos sobre espaço teatral.
Também demonstra subdivisões que podem aparecer dentro deste conceito: como
espaço cênico, espaço da plateia, espaço de representação, e outros possíveis.
O intuito, não é limitar ou restringir o assunto a um ou mais termos. O que
espero é analisar pontos de vista dos tantos artistas-pesquisadores, para que
os relacionando ou mesmo confrontando-os, possa-se chegar a reflexões mais
concisas.
É pertinente
salientar que, embora sejam tantas as definições encontradas, o assunto ainda
não se cessaria apenas com a reunião desses termos, tendo em vista a infinita
gama de possibilidades envolvendo o espaço como um todo. Concordando com
Patrice Pavis[5] (2008), seriam em vão tentar
finalizar as discussões sobre o assunto apenas atribuindo conceitos, já que nem
sempre eles se restringem a algo pontual e unilateral. Mas isso não significa
que os termos deixarão de surgir e que cada vez mais estarão direcionados às
pesquisas e experiências dos artistas em suas criações e relações com o espaço.
O mesmo autor traz definições sobre vertentes desse conceito quando atrelado ao
Teatro. Um deles se refere ao espaço teatral como um todo:
Termo que substitui
frequentemente, hoje, teatro. Com a
transformação das arquiteturas teatrais – em particular o recuo do palco
italiano ou frontal – e o surgimento de novos espaços – escolas, fábricas,
praças, mercados etc. –, o teatro se instala onde bem lhe parece, procurando
antes de mais nada um contato mais estreito com um grupo social, e tentando
escapar aos circuitos tradicionais da atividade teatral. O espaço cerca-se por
vezes de um mistério e de uma poesia que impregnam totalmente o espetáculo que
aí se dá. (PAVIS, 2008, p. 138)
Esmiuçando o
termo, chegamos a outras definições. Uma delas, diretamente atrelada à cena,
traz um recorte amplamente discutido, o espaço cênico. Kosovski busca
sintetizar o conceito a respeito com a seguinte definição:
Quando consideramos a ideia
de uma demarcação espacial destinada à cena, ao cênico, um espaço cênico –
podemos aceitá-lo sumariamente como “o lugar onde acontece a representação”.
Esta definição pode ser compreendida como denominador comum de todo e qualquer
tipo de representação, para qualquer espetáculo. (KOSOVSKI, 2005, p. 9).
E ainda nessa
reflexão acerca do termo, Pavis comenta que o espaço cênico “É o espaço real do
palco onde evoluem os atores, quer eles se restrinjam ao espaço propriamente
dito da área cênica, quer evoluam no meio do público.” (PAVIS, 2008, p. 132).
Numa visão que considera outras relações com essa definição, o cenógrafo Gianni
Ratto comenta que “O espaço cênico não tem limites: ele se multiplica pela
dimensão do texto e de suas personagens. Ele não pode ser medido por metros
quadrados ou cúbicos; ele existe – infinito – onde uma palavra de poesia
ressoa.” (RATTO, 1999, p. 36). Essa
última análise demonstra-se vinculada, de certa forma, a outra definição, a de
espaço dramático. Nessa perspectiva, Alcandre exemplifica esse termo com uma
característica mais ligada ao texto, o que não impede de encontrarmos
semelhanças com outras definições.
Discursos, objetos, gestual,
signos acústicos, qualquer significante teatral pode, na realidade, ser
metáfora do espaço e, portanto, ajudar a estabelecer esta relação, ou melhor,
esta tensão entre lugar cênico e espaços dramáticos. (...) Claro que os espaços
dramáticos podem apresentar as características mais diversas: extra cena-contíguo,
cuja presença às vezes é marcada no plano acústico, lugares concretos mas mais
distantes e às vezes indetermináveis com precisão, espaços metafícos, enfim,
que escapam a qualquer caracterização concreta. (ALCANDRE, 2003, p. 16).
Nem mesmo quando classificado
enquanto espaço vazio o termo escapa de definições e análises, visto sua
potencialidade perante o jogo criado com a plateia e os atores. Peter Brook
considera que “O vazio no teatro permite que a imaginação preencha as lacunas.
Paradoxalmente, quanto menos se oferece à imaginação, mais feliz ela fica,
porque é como um músculo que gosta de se exercitar em jogos.” (BROOK, 2005, p.
23). E se passamos a considerar o jogo de cena, podemos então encontrar
exemplificações que relacionam o espaço teatral à ação empreendida pelo ator e
ainda à recepção da plateia.
A lógica do jogo no espaço
teatral refere-se quase sempre a duas instancias; o corpo do ator e o tema ali
abordado. O acontecimento teatral estimula o espectador a afetar-se pelo que
acontece ao ator, convoca o espectador a presenciar ao que se desdobra e o
torna conveniente, participante e ativo no ato de recepção. (MUNIZ, 2011, p.
76).
Além dessa útima
significação, Muniz considera ainda, algo que pode ser visto como outra
definição relacionada ao tema, onde a mesma conclui que “O lugar teatral é uma
organização precisa do espaço, definida pela relação palco plateia, entre obra
e espectador, responde às necessidades da dramaturgia e da maneira pela qual se
apresenta o mundo.” (MUNIZ, 2011, p. 76). Aqui é possível perceber que a
palavra “lugar” toma um significado aparentemente similar a “espaço”. E
continuando nesse raciocínio, os estudos ligados à cenografia realizados por
Anna Mantovani, trazem uma definição a respeito do assunto onde a autora
considera que “O lugar teatral é composto pelo lugar do espectador e pelo lugar
cênico - onde atua o ator e acontece a cena. No teatro, o lugar cênico é o
palco, que, como edifício, muda de uma época para outra e de um país para
outro.” (MANTOVANI, 1989, p. 7).
Algumas definições
sobre o espaço, ligado ao Teatro, se colocam relacionadas aos conceitos e
objetivos da proposta num sentido mais ideológico. Por um viés mais político
ligado ao assunto, o artista e pesquisador de Teatro de Rua Amir Haddad, foca em
conceitos atrelado ao termo espaço público. Enquanto artista, ele traz para o
seu trabalho uma ação social, um objetivo a ser buscado com a inserção da arte
nesses espaços públicos. Uma tentativa de romper “com os procedimentos éticos
da burguesia capitalista protestante”, diz Haddad (2005). O mesmo associa
determinadas considerações sobre os espaços convencionais, algumas sugerem que
esses podem limitar a reflexão do cidadão. Assim, sua prática, trabalha visando
desenvolver e ampliar a noção de “público”. “Tudo é público e nada é
especializado. O cidadão e o artista são as mesmas pessoas e as representações
teatrais se transformam em acontecimentos públicos.” (2005, p. 70).
São diversos os
recortes que buscam dar significados e definições para o termo espaço, mesmo
quando relacionado apenas ao Teatro de Rua. Sendo assim, pode-se dizer que as
exigências e peculiaridades das encenações realizadas em espaços abertos se
definem de maneira singular. Como avalia o pesquisador Reinaldo Maia, “O Teatro
feito no espaço público tem particularidades próprias de exercício e merecem
ser discutidas profundamente.” (MAIA, 2004, p. 124).
3.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se trata do
espetáculo realizado na rua é necessário considerar que cada espaço oferece
diferentes recursos para a encenação.
Nessa perspectiva, Calixto de Inhamuns, artista que pesquisa o Teatro de
Rua, comenta que a rua é “um ambiente cênico desorganizado, ou seja, um espaço
cênico onde não existem condições favoráveis, como as dos espaços cênicos
fechados, para uma apresentação teatral” (INHHAMUNS, 2011, p. 133).
Independente da maneira como o artista se relaciona, ou não, com essas
condições, elas acabam por influenciar na apresentação. Se considerados, os
elementos do local podem favorecer tal encenação. Portanto, torna-se pertinente
criar possibilidades levando em conta os diferentes aspectos que cada ambiente
(seja praça, calçada, adro, feira, ruína, etc.), juntamente de seus distintos
elementos (arquitetura, luz, sombra, sonorização, etc.) irão proporcionar no
momento do encontro entre a plateia e o espetáculo cênico.
Muitas das
definições aqui apresentadas, ainda que sejam de pesquisadores e artistas
distintos, estabelecem certa concordância entre si. Mas, sabendo que podem
aparecer algumas divergências terminológicas, ou então, sinônimos que
confundiriam a identificação exata de um determinado caso, proponho uma breve
simplificação dos significados. Essa relação sistemática de termos não tem a
pretensão de se tornar um padrão definitivo para os estudos relacionados ao
assunto. Como dito anteriormente, isso seria uma tarefa sem fim. Apenas se
apresenta para elucidar exemplos, estudos e situações expressadas na busca de
clarear alguns termos e sentidos pretendidos. Assim, as expressões utilizadas
nesse trabalho circundam características próprias de se utilizar em ánalises,
onde o uso de definições costuma ser necessário. E possivelmente, o mais
provável é que os termos usados sejam os mesmos mencionados pela maioria dos
estudiosos do assunto, principalmente devido ao caráter direto e simplificado;
e também, por terem sido fundamentados nos inúmeros exemplos dos pesquisadores
já citados. Os termos aqui relacionados são aqueles que se demonstram mais
recorrentes (ainda que de forma indireta) no texto que se originou durante essa
pesquisa.
Termos e
definições próprias do entendimento desenvolvido acerca das variáveis sobre
espaço:
• Espaço – O mesmo que lugar; local;
ambiente. Embora a palavra tenha diversas associações ao contexto teatral,
sozinha, traz um entendimento menos pretencioso. De maneira geral refere-se a
um determinado ponto, área, enquanto localização. Também pode se relacionar à
extensão, seja ela indefinida, ou limitada.
• Espaço aberto – Refere-se a todo espaço que
lida com formas menos limitadas por estruturas fixas, ou seja, normalmente
desprovido de paredes ou telhado. Praças, calçadas, parques, arenas, ruas,
adros, feiras ao ar livre e tantos outros espaços podem se encaixar nessa
definição. Espaço público e espaço livre são denominações que em
algum momento podem ser vistas enquanto sinônimos de espaço aberto. Mas, há de se observar que os termos nem sempre
terão o mesmo significado; pois possivelmente, o jardim de uma casa, ou o pátio
de uma escola, ou ainda o estacionamento de um condomínio podem ser
compreendidos nessa denominação, e nem por isso são espaços públicos ou de
livre acesso. Dito isso, o termo passa então a se caracterizar mais ligado à
arquitetura e não à acessibilidade. O fato de existir alguma estrutura como
parede ou colunas no ambiente, também não são o suficiente para
descaracterizá-lo enquanto um espaço
aberto. Talvez seja necessária uma visão mais conceitual que estrutural
para restringir e simplificar o termo. Como exemplo, uma ruína cujas paredes e
teto entejam apenas parcialmente derrubados, e não conseguem mais conter,
limitar ou comprimir o espaço cênico,
ainda pode se classificar nessa definição, bem como o contrário também é
possível. Além dos significados já expressados para esse termo, podemos ainda
encontrar outra definição que o atrela a um sentido relacionado a
palco/plateia, onde teremos uma visão que direciona o entendimento para outro
uso dessa acepção. Trata-se de uma determinação onde não há uma divisão
especificada ou marcada que possa dividir os espaços do palco e da plateia,
tornando-os assim um espaço unificado
ou, um espaço aberto.
• Espaço alternativo – Nesse caso, trata-se de um
local escolhido especialmente para se relacionar com a obra teatral que nele
será encenada. Esse tipo de espaço passa a tomar um sentido diretamente ligado
à proposta cênica. Comumente é escolhido antes ou durante o processo de criação
do espetáculo. Não se trata de qualquer espaço onde se apresentam peças
teatrais, como um palco italiano ou um anfiteatro; também não se refere a um
local apenas não convencional. Aqui o espaço é visto como uma composição da
dramaturgia, da encenação. Como exemplo podemos nos referir ao espaço das
ruínas de uma prisão escolhida para montagem e apresentação de uma peça que
aborde um tema relacionado com o sistema carcerário; ou ainda, um hospital que
é utilizado para uma montagem sobre epidemias; ou, toda uma vila de moradores
pensada e usada como casa dos personagens da peça. Enfim, a relação com o
espaço, aqui, é proposital e vital para o universo cênico da montagem teatral.
• Espaço cênico – Refere-se ao espaço identificado como a área que
compreende a evolução dos atores e a composição do elemento teatral, ou seja, o
que se coloca para a plateia como elemento da representação cênica. Basicamente
é o espaço do palco, ainda que esse possa ser composto também pela plateia.
Nessa definição podemos incluir a cenografia, os atores e o que mais possa ser
identificado como parte constituinte da cena, tendo sido dado pelo espetáculo e
que se concretiza na encenação como algo visível. O termo espaço de representação pode trazer o mesmo significado.
• Espaço convencional – Quando usado no meio teatral
esse termo se refere aos espaços construídos especificamente para receber
apresentações cênicas. Casas de espetáculo, prédios teatrais, arenas,
anfiteatros, entre outros, são exemplos claros de estruturas arquitetadas para
o teatro, ou seja, um espaço convencionalmente criado a esse propósito.
• Espaço da plateia – Obviamente limita-se à área
ocupada pela plateia. Porém essa área não se restringe de forma exclusiva ao
público. É comum que ela seja utilizada simultaneamente por atores e plateia,
ou seja, pode haver uma intercessão entre o espaço de atuação e o espaço
da plateia. De forma geral, esse tipo de espaço pode confluir com diversos
outros, e uma vez que sirva à plateia, basicamente, torna-se fácil de ser
identificado, mesmo isolado ou conjugado. Assim, seu uso exclusivo ou
compartilhado depende da proposta de encenação.
• Espaço de atuação – Diz-se do espaço onde agem os
atores. Sua limitação se restringe à área onde circulam e contracenam os
artista do espetáculo. Em alguns casos conflui-se com o espaço da plateia. Em determinadas situações, a denominação espaço de representação também pode
trazer o mesmo sentido, mas o mais comum é que essa última se refira ao espaço cênico, não sendo, portanto,
propriamente um sinônimo constante para espaço
de atuação.
• Espaço de troca – Refere-se à área ou situação
que compreende a relação entre ator e o espectador. Tem haver com a recepção,
com o momento do jogo. Nem sempre pode ser medido espacialmente em distância ou
tamanho, muito embora esteja compreendido na extensão que liga ator e plateia
(a conexão de um olhar, por exemplo). O limite é definido pela percepção e
resposta que um fornece ao outro. Seja de forma ativa – quando há uma interação
de troca física ou verbal também por parte da plateia –, ou de forma
contemplativa – quando o jogo se estabelece numa perspectiva mais ligada à
recepção –, o jogo e troca se configuram dentro de um determinado espaço e
tempo. A relação e conexão é que definem a duração e extensão do espaço de troca.
• Espaço dramático – Concerne ao espaço criado,
imaginado pelo espectador, diante as lacunas dadas ou mesmo inventadas por ele
dentro da dramaturgia. O mesmo também pode ser atribuído à imaginação do ator.
Trata-se de um espaço mental criado a partir da evolução percebida entre os
personagens do texto ou pelo imaginário que se cria na encenação. É um espaço
abstrato, ficcional, instituído pela imaginação.
• Espaço fechado – Em oposição ao termo espaço aberto, essa definição se caracteriza por conseguir limitar o espaço cênico em um local cujas
estruturas físicas, a arquitetura do ambiente, são os delimitadores espaciais.
Como exemplo tem-se os teatros à italiana, os palcos elisabetanos (que mesmo
com suas aberturas no telhado, ainda sim são estruturalmente muito fechados
para se configurar como um espaço aberto),
a salas de espetáculo nos mais variados formatos, etc. Enfim, sumariamente são
todos os espaços que possuem estruturas limitadoras ao espaço externo. Em outra
situação, no caso de se referir à conexão com o espectador, o termo pode servir
para definir a limitação do palco em relação à plateia, ou seja, um espaço fechado na área que concerne ao
palco.
• Espaço não convencional – Trata-se de todo e qualquer
espaço que não tenha sido projetado especificamente para o Teatro, mas que,
ainda sim, é usado para encenações. Seja uma casa, uma praça pública, uma
quadra de esportes, um local fechado ou aberto, entre outros, o que realmente
define esse tipo de espaço é a apresentação cênica num ambiente cuja função
comum de uso era outra que não a teatral. Basicamente, toda montagem de Teatro
de Rua se apresenta em espaços não convencionais. É preciso atenção para
diferenciar esse termo da definição dada a espaço
alternativo; pois, embora possam se relacionar, nem sempre será a mesma
coisa.
• Espaço teatral – Basicamente compreende as
demais definições. O espaço teatral
é tudo aquilo percebido e inserido na encenação, visualmente, sonoramente,
sensorialmente e mesmo imaginativamente; seja de forma proposital ou apenas
circunstancial. Claro que as suas relações dependem de uma série de percepções,
tanto da parte de quem assiste (interagindo ativamente ou não) como de quem
apresenta um espetáculo. Seja em uma sala fechada, ou em uma rua movimentada,
ou diante à fachada de um prédio, ou no pátio de uma escola, ou em palco
italiano, tudo o que for notado no espaço pode se relacionar com a encenação; e
assim, portanto, passa a estar contido no espaço
teatral. A ação dos atores, os signos cenográficos, a imaginação da
plateia, a evolução no espaço físico, tudo isso dentre tantas outras situações
poderão compor o espaço teatral.
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Narciso. Pedagogia do Teatro e o teatro
de rua. Porto Alegre: Editora
Mediação, 2008.
[1] Professor do curso de
Teatro da Universidade do Estado do Amazonas. E-mail: castroteatro@gmail.com
[2] A palavra rua, aqui
entendida de forma ampliada, refere-se a espaços de circulação pública: praças,
vias, calçadas, adros, vilas, espaços públicos, etc.
[3] Na definição de Barbara Heliodora: De um lado tínhamos uma
arquibancada para a plateia, “e do lado oposto foi erguido um conjunto: a
parede que dava para o palco era construída para parecer a frente de um
palácio, e era chamada de skene (ou
cena), correspondendo ao que hoje chamamos de cenário”; à frente dessa
construção tínhamos o palco (proskenion).
(2008, p. 22)
[4] A análise do autor se baseia no esboço interno do prédio Swan
Theatre, em Londres, desenhada pelo holandês Johannes de Witt. Essa estrutura é
bastante semelhante ao interior da réplica do Globe Theater da cidade de Londres
dos dias atuais.
[5] Em sua obra Dicionário do
Teatro, Pavis considera que definir cada derivação do termo “espaço” seria
uma tentativa desesperadora. (2008, p. 132).
Obrigado pela publicação aqui no Armazém de Ideias, Samir.
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