sexta-feira, 16 de outubro de 2015

ESPAÇO TEATRAL: DEFINIÇÕES E TERMOS ATRELADOS AO TEATRO DE RUA

                   

Artigo publicado recentemente no 1º Seminário da Região Norte: Educação, Arte e Intercultura pelo Professor do Curso de Teatro da Universidade do Estado do Amazonas, Jhon Weiner de Castro.



ESPAÇO TEATRAL:

DEFINIÇÕES E TERMOS ATRELADOS AO TEATRO DE RUA



Eixo Temático: Produções Artísticas


JHON WEINER DE CASTRO[1]
(Universidade do Estado do Amazonas - UEA, AM)


RESUMO:
Este trabalho tem o intuito de explanar alguns aspectos sobre a relação que se dá entre espaço teatral e produção artística, sobretudo no Teatro de Rua. Resulta-se de pesquisas realizadas no Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal de Uberlândia - UFU. Suscita reflexões acerca das definições dadas ao termo “espaço”, considerando referências distintas de pesquisadores-artistas do Brasil e mesmo de outros países. Longe de determinar formas e conceitos fixos para se referir ao espaço, esse artigo visa abordar e considerar as diferentes definições dadas ao assunto. Após relacionar, comparar e classificar determinados conceitos acredito ser possível atribuir termos mais específicos ao tema estudado. Com base nas referências trazidas para elucidar os significados, e com exemplos que demonstram uma evolução do espaço teatral, admitindo, especialmente no Teatro de Rua, as influências que um determina sobre o outro, pode-se pensar e criar termos mais específicos para cada situação pesquisada. Após discorrer sobre os termos mais utilizados em publicações sobre o assunto chega-se a proposição de um breve glossário vinculando espaço e teatro.

Palavras-chave: Espaço – Teatro de Rua – Termos.



1 INTRODUÇÃO

O espetáculo teatral, quando realizado na rua, segue padrões e influências que o determinam e o diferenciam claramente de uma encenação apresentada em outros ambientes, como o tradicional palco italiano, por exemplo. Para conhecer e determinar elementos específicos da linguagem do Teatro de Rua e relacioná-los a uma montagem teatral requer a aceitação de que o espaço nessa situação é bastante característico. E também é necessário compreender que a peça sofre influências múltiplas e modifica-se consideravelmente a cada escolha de um novo local para a apresentação. Afinal, o espetáculo na rua é dependente até mesmo da relação e visão que o próprio espectador faz dele com o meio onde está sendo apresentado. Como exemplo, na obra Teatralidade e Cidade, a pesquisadora Zilá Muniz comenta que o “espaço teatral que se insere e invade o espaço público estabelece outras relações entre os níveis imagéticos criando relações entre transeunte e ambiente” (MUNIZ, 2011, p. 79), o que então, passa também a ser considerado.
Compreendendo a relação intrínseca existente entre o Teatro de Rua e o espaço no qual se desenvolve esse tipo de arte, podemos então estabelecer determinados conceitos à modalidade. Aliás, de forma geral, as ideias que temos sobre as inferências da escolha de um espaço para uma determinada encenação podem ser atribuídas à montagem cênica em diversas outras ocasiões e não somente no Teatro de Rua. Não dá para negar a relação e influência que os espaços utilizados em distintos períodos da História do Teatro exerceram sobre a produção teatral contemporânea a cada um deles; isso, tanto em espaços abertos quanto nos espaços fechados. E tal consideração pode se relacionar aos espaços construídos especificamente para receber as encenações teatrais, ou mesmo àqueles classificados como não convencionais para o teatro.
Assim, esse trabalho visa despertar um olhar direcionado para a relação entre espaço teatral e a produção artística, sobretudo no Teatro de Rua. E embora recorra a exemplos de outras modalidades não diretamente ligadas à rua[2], o foco tende a se voltar para as encenações desse tipo de espaço. Isso por dois motivos principais; o primeiro remete ao forte caráter de interação que uma apresentação de rua tem com o local onde ela se desenvolve; e o segundo devido ao interesse e necessidade de abordar especialmente esse tema. Outra consequencia originada a partir da pesquisa sobre espaço cumina em estudos sobre definições e termos adivindos de inúmeros conceitos atrelados a esse tema.

2 DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento e evolução da encenação teatral sempre estiveram intrinsecamente atrelados ao espaço onde se davam e ainda se dão as apresentações cênicas. Na Grécia, por exemplo, tínhamos as arenas e semiarenas com estruturas que possivelmente determinavam o tipo de uso e uma direta ligação (dos atores e da dramaturgia) com o que era posto sobre o espaço cênico, conforme analisado na obra de César Oliva e Francisco Monreal, quando os autores se referem às skenes[3] e aos espaços onde eram apresentadas as peças gregas.

Outro uso muy posible era el de servir de espacio escénico a los dioses que formablam parte del reparto escénico. La dimensión altura tenía su simbolismo en el teatro griego. Por médio de la maquinaria, los dioses descendían a lo largo del muro (es el deus ex machina). Su actuación no debería situarse al mismo nivel de los personajes humanos. (OLIVA & MONREAL, 1994, p. 42)

Em outro exemplo histórico, ainda sobre a relação do Teatro com espaço (também referente a encenações ocorridas em ambiente abertos) temos na Idade Média o surgimento do carro-palco, onde a possibilidade de deslocamento pelo espaço ao ar livre na cidade propiciava outras formas de interação do público com o espetáculo teatral. Esse uso característico originou significativas implicações na criação e execução das montagens cênicas do período.

(...) os espectadores podiam movimentar-se de um local de ação para o outro, assistindo à sequência das cenas à medida que alteravam a própria posição; ou então as próprias cenas, montadas em cenários sobre os carros, eram levadas pelas ruas e representadas em estações predeterminadas. (MARGOT, Berthold. 2010, p. 209).

Não é difícil perceber que as inferências do espaço teatral sobre o espetáculo podem estabelecer conexões mesmo antes de a peça começar a ser ensaiada. Se a estrutura interfere na movimentação e criação dos atores, bem como na interação com o público, também pode interferir desde a elaboração da dramaturgia, muitas vezes criada para um espaço específico. Haja vista as inúmeras cenas de balcão presentes nos textos de William Shakespeare, demonstrando uma estreita e íntima ligação com o espaço do palco elisabetano. Comumente, outras questões atreladas ao espaço despontam na dramaturgia shakespeariana. Ao descrever a estrutura arquitetônica relacionada ao prédio[4] teatral do final do século XVI, o pesquisador Bill Bryson desmonstra essa relação entre o dramaturgo e o espaço onde ocorrerá a apresentação:

O esboço mostra um grande palco que se projeta para a plateia, em parte coberto, com uma torre atrás que contém um espaço conhecido como casa de tiring (abreviação de attiring, “vestuário”) ou vestiário – um termo cujo uso registrado mais antigo se encontra em Sonho de uma noite de verão, de William Shakespeare –, onde os atores trocavam de roupa e pegavam objetos de cena. Acima do vestiário havia galeria para músicos e plateia, assim como espaços que podiam ser incorporados à apresentação, para cenas de balcão e semelhantes. (BRYSON, 2008, p. 69).

Do teatro realizado na Grécia, a mais de 2500 anos atrás, ao teatro do século XXI, percebemos como o espaço evoluiu e transformou-se, consequentemente influenciando as encenações ao longo da história teatral. E embora muitas das características estéticas ainda possam se assemelhar, propostas teatrais distintas existem e constantemente são experimentadas. Tais propostas não se restringem apenas aos locais com uma arquitetura projetada especialmente para o Teatro, como vemos nos registros históricos que trazem inúmeros exemplos da utilização de espaços abertos e não convencionais, para apresentações cênicas. E não devemos esquecer que a ação teatral se desenvolveu por mais tempo em espaços ao ar livre que em salas projetadas. Nesse contexto, a pesquisadora Lidia Kosovski traz uma visão histórica sobre uma perspectiva de rompimento com os espaços fechados diante as novas possibilidades e experimentações do século XX. Em suas considerações, a autora descreve uma relativa tensão contrária aos espaços fechados e convencionados para o teatro.

A força da experiência dentro do edifício, talvez justamente pela tensão produzida entre a natureza dionisíaca da expressão teatral e as amarras e limites impostos por uma geografia determinada e disciplinadora, inscreveu o século XX na História do Teatro, como um século de “explosão do espaço”, em que o teatro europeu se dilatou, e em um certo viés reenglobou o espaço físico da cidade como palco. (KOSOVSKI, 2005, p.11).

Assim como as possibilidades de uso, são variados e diferentes os conceitos de estudiosos sobre o assunto espaço, mesmo quando se relaciona apenas ao Teatro de Rua diretamente. Essas variações tornam-se ainda maior quando se amplia o estudo para outras áreas que não a teatral especificamente, como arquitetura, estudos sobre a sociedade, patrimônio, etc. Mas em comum, as observações e pesquisas que lidam com o fazer teatral, comumente trazem uma visão relacionada à capacidade de influência e interferência que um determinado espaço poder exercer sobre uma obra artística. O pequisador teatral, Narciso Telles, ao comentar sobre o Teatro de Rua e espaço, traz uma reflexão referente às pesquisas realizadas nesse campo, onde a relação entre o Teatro e a cidade suscita uma série de especificidades a respeito desse acontecimento.

Esses conceitos de análise da relação com o espaço – cênico e urbano, propiciam a reflexão em torno da ação teatral na cidade e dos efeitos de teatralidade gerados por esses acontecimentos. Torna-se importante verificar que estes efeitos ocorrem em diversas ordens e escalas, o que demonstra a especificidade do teatro de rua e seus modos de fazer. (TELLES, 2008 p. 14).

Se da relação teatro-espaço surgem outras análises que influenciarão até mesmo no modo de fazer, ou seja, no processo de realização do espetáculo, evidencia-se, portanto, certa interdependência desses assuntos (teatro e espaço). De tal forma, considerar a influência de um sobre o outro, demanda compreender quais as possibilidades na criação e na apresentação de uma montagem, sobretudo para o Teatro de Rua. Isso porque nessa modalidade teatral o espaço é mutável e o espetáculo se depara com inúmeras circunstâncias passíveis de serem incorporadas ou rejeitadas. Tal articulação tornou-se assunto de pesquisa recorrente na década de 80, quando começaram a surgir trabalhos escritos abordando as ideias de encenadores atentos ao desdobramento que se dava entre criação teatral e o espaço. Na França, Jean-Jacques Roubine reúne uma análise acerca da “explosão do espaço” (1980); da Alemanha, Jean-Jacques Alcandre (1987) instiga o pensamento sobre as articulações desse assunto.

Toda obra de criação, tanto no domínio da literatura quanto no das artes do espetáculo, se caracteriza por se inscrever no espaço, respeitando as modalidades específicas de cada uma destas manifestações artísticas. A criação teatral apresenta traços particulares que, por sua vez, determinam as articulações características do espaço teatral. (ALCANDRE, 2003, p. 9).

E se os trabalhos escritos traziam essas reflexões, é porque acompanhavam a intensa prática cênica que se aprofundava ainda mais nos experimentos relacionados ao espaço teatral. Haja vista os incontáveis grupos, companhias, coletivos, artistas, engajados na criação de montagens em espaços abertos. Em todo o mundo, encenações fora dos espaços convencionais eram desenvolvidas, inclusive no Brasil, onde se observa um considerável surgimento de grupos de Teatro de Rua nesse período.
Com tanta atenção dada à criação e pesquisa cênica atrelada ao espaço teatral, começaram a surgir definições cada vez mais específicas. Essas se desdobravam em ramificações de conceitos para analisar tanto o todo quanto elementos mais pontuais. Com isso, termos e significados foram sendo introduzidos na linguagem teatral.
A seguir, esse trabalho apresenta algumas das definições que temos sobre espaço teatral. Também demonstra subdivisões que podem aparecer dentro deste conceito: como espaço cênico, espaço da plateia, espaço de representação, e outros possíveis. O intuito, não é limitar ou restringir o assunto a um ou mais termos. O que espero é analisar pontos de vista dos tantos artistas-pesquisadores, para que os relacionando ou mesmo confrontando-os, possa-se chegar a reflexões mais concisas.
É pertinente salientar que, embora sejam tantas as definições encontradas, o assunto ainda não se cessaria apenas com a reunião desses termos, tendo em vista a infinita gama de possibilidades envolvendo o espaço como um todo. Concordando com Patrice Pavis[5] (2008), seriam em vão tentar finalizar as discussões sobre o assunto apenas atribuindo conceitos, já que nem sempre eles se restringem a algo pontual e unilateral. Mas isso não significa que os termos deixarão de surgir e que cada vez mais estarão direcionados às pesquisas e experiências dos artistas em suas criações e relações com o espaço. O mesmo autor traz definições sobre vertentes desse conceito quando atrelado ao Teatro. Um deles se refere ao espaço teatral como um todo:

Termo que substitui frequentemente, hoje, teatro. Com a transformação das arquiteturas teatrais – em particular o recuo do palco italiano ou frontal – e o surgimento de novos espaços – escolas, fábricas, praças, mercados etc. –, o teatro se instala onde bem lhe parece, procurando antes de mais nada um contato mais estreito com um grupo social, e tentando escapar aos circuitos tradicionais da atividade teatral. O espaço cerca-se por vezes de um mistério e de uma poesia que impregnam totalmente o espetáculo que aí se dá. (PAVIS, 2008, p. 138)

Esmiuçando o termo, chegamos a outras definições. Uma delas, diretamente atrelada à cena, traz um recorte amplamente discutido, o espaço cênico. Kosovski busca sintetizar o conceito a respeito com a seguinte definição:

Quando consideramos a ideia de uma demarcação espacial destinada à cena, ao cênico, um espaço cênico – podemos aceitá-lo sumariamente como “o lugar onde acontece a representação”. Esta definição pode ser compreendida como denominador comum de todo e qualquer tipo de representação, para qualquer espetáculo. (KOSOVSKI, 2005, p. 9).

E ainda nessa reflexão acerca do termo, Pavis comenta que o espaço cênico “É o espaço real do palco onde evoluem os atores, quer eles se restrinjam ao espaço propriamente dito da área cênica, quer evoluam no meio do público.” (PAVIS, 2008, p. 132). Numa visão que considera outras relações com essa definição, o cenógrafo Gianni Ratto comenta que “O espaço cênico não tem limites: ele se multiplica pela dimensão do texto e de suas personagens. Ele não pode ser medido por metros quadrados ou cúbicos; ele existe – infinito – onde uma palavra de poesia ressoa.” (RATTO, 1999, p. 36).  Essa última análise demonstra-se vinculada, de certa forma, a outra definição, a de espaço dramático. Nessa perspectiva, Alcandre exemplifica esse termo com uma característica mais ligada ao texto, o que não impede de encontrarmos semelhanças com outras definições.

Discursos, objetos, gestual, signos acústicos, qualquer significante teatral pode, na realidade, ser metáfora do espaço e, portanto, ajudar a estabelecer esta relação, ou melhor, esta tensão entre lugar cênico e espaços dramáticos. (...) Claro que os espaços dramáticos podem apresentar as características mais diversas: extra cena-contíguo, cuja presença às vezes é marcada no plano acústico, lugares concretos mas mais distantes e às vezes indetermináveis com precisão, espaços metafícos, enfim, que escapam a qualquer caracterização concreta. (ALCANDRE, 2003, p. 16).

Nem mesmo quando classificado enquanto espaço vazio o termo escapa de definições e análises, visto sua potencialidade perante o jogo criado com a plateia e os atores. Peter Brook considera que “O vazio no teatro permite que a imaginação preencha as lacunas. Paradoxalmente, quanto menos se oferece à imaginação, mais feliz ela fica, porque é como um músculo que gosta de se exercitar em jogos.” (BROOK, 2005, p. 23). E se passamos a considerar o jogo de cena, podemos então encontrar exemplificações que relacionam o espaço teatral à ação empreendida pelo ator e ainda à recepção da plateia.

A lógica do jogo no espaço teatral refere-se quase sempre a duas instancias; o corpo do ator e o tema ali abordado. O acontecimento teatral estimula o espectador a afetar-se pelo que acontece ao ator, convoca o espectador a presenciar ao que se desdobra e o torna conveniente, participante e ativo no ato de recepção. (MUNIZ, 2011, p. 76).

Além dessa útima significação, Muniz considera ainda, algo que pode ser visto como outra definição relacionada ao tema, onde a mesma conclui que “O lugar teatral é uma organização precisa do espaço, definida pela relação palco plateia, entre obra e espectador, responde às necessidades da dramaturgia e da maneira pela qual se apresenta o mundo.” (MUNIZ, 2011, p. 76). Aqui é possível perceber que a palavra “lugar” toma um significado aparentemente similar a “espaço”. E continuando nesse raciocínio, os estudos ligados à cenografia realizados por Anna Mantovani, trazem uma definição a respeito do assunto onde a autora considera que “O lugar teatral é composto pelo lugar do espectador e pelo lugar cênico - onde atua o ator e acontece a cena. No teatro, o lugar cênico é o palco, que, como edifício, muda de uma época para outra e de um país para outro.” (MANTOVANI, 1989, p. 7).
Algumas definições sobre o espaço, ligado ao Teatro, se colocam relacionadas aos conceitos e objetivos da proposta num sentido mais ideológico. Por um viés mais político ligado ao assunto, o artista e pesquisador de Teatro de Rua Amir Haddad, foca em conceitos atrelado ao termo espaço público. Enquanto artista, ele traz para o seu trabalho uma ação social, um objetivo a ser buscado com a inserção da arte nesses espaços públicos. Uma tentativa de romper “com os procedimentos éticos da burguesia capitalista protestante”, diz Haddad (2005). O mesmo associa determinadas considerações sobre os espaços convencionais, algumas sugerem que esses podem limitar a reflexão do cidadão. Assim, sua prática, trabalha visando desenvolver e ampliar a noção de “público”. “Tudo é público e nada é especializado. O cidadão e o artista são as mesmas pessoas e as representações teatrais se transformam em acontecimentos públicos.” (2005, p. 70).
São diversos os recortes que buscam dar significados e definições para o termo espaço, mesmo quando relacionado apenas ao Teatro de Rua. Sendo assim, pode-se dizer que as exigências e peculiaridades das encenações realizadas em espaços abertos se definem de maneira singular. Como avalia o pesquisador Reinaldo Maia, “O Teatro feito no espaço público tem particularidades próprias de exercício e merecem ser discutidas profundamente.” (MAIA, 2004, p. 124).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se trata do espetáculo realizado na rua é necessário considerar que cada espaço oferece diferentes recursos para a encenação.  Nessa perspectiva, Calixto de Inhamuns, artista que pesquisa o Teatro de Rua, comenta que a rua é “um ambiente cênico desorganizado, ou seja, um espaço cênico onde não existem condições favoráveis, como as dos espaços cênicos fechados, para uma apresentação teatral” (INHHAMUNS, 2011, p. 133). Independente da maneira como o artista se relaciona, ou não, com essas condições, elas acabam por influenciar na apresentação. Se considerados, os elementos do local podem favorecer tal encenação. Portanto, torna-se pertinente criar possibilidades levando em conta os diferentes aspectos que cada ambiente (seja praça, calçada, adro, feira, ruína, etc.), juntamente de seus distintos elementos (arquitetura, luz, sombra, sonorização, etc.) irão proporcionar no momento do encontro entre a plateia e o espetáculo cênico.
Muitas das definições aqui apresentadas, ainda que sejam de pesquisadores e artistas distintos, estabelecem certa concordância entre si. Mas, sabendo que podem aparecer algumas divergências terminológicas, ou então, sinônimos que confundiriam a identificação exata de um determinado caso, proponho uma breve simplificação dos significados. Essa relação sistemática de termos não tem a pretensão de se tornar um padrão definitivo para os estudos relacionados ao assunto. Como dito anteriormente, isso seria uma tarefa sem fim. Apenas se apresenta para elucidar exemplos, estudos e situações expressadas na busca de clarear alguns termos e sentidos pretendidos. Assim, as expressões utilizadas nesse trabalho circundam características próprias de se utilizar em ánalises, onde o uso de definições costuma ser necessário. E possivelmente, o mais provável é que os termos usados sejam os mesmos mencionados pela maioria dos estudiosos do assunto, principalmente devido ao caráter direto e simplificado; e também, por terem sido fundamentados nos inúmeros exemplos dos pesquisadores já citados. Os termos aqui relacionados são aqueles que se demonstram mais recorrentes (ainda que de forma indireta) no texto que se originou durante essa pesquisa.
Termos e definições próprias do entendimento desenvolvido acerca das variáveis sobre espaço:
• Espaço – O mesmo que lugar; local; ambiente. Embora a palavra tenha diversas associações ao contexto teatral, sozinha, traz um entendimento menos pretencioso. De maneira geral refere-se a um determinado ponto, área, enquanto localização. Também pode se relacionar à extensão, seja ela indefinida, ou limitada.
• Espaço aberto – Refere-se a todo espaço que lida com formas menos limitadas por estruturas fixas, ou seja, normalmente desprovido de paredes ou telhado. Praças, calçadas, parques, arenas, ruas, adros, feiras ao ar livre e tantos outros espaços podem se encaixar nessa definição. Espaço público e espaço livre são denominações que em algum momento podem ser vistas enquanto sinônimos de espaço aberto. Mas, há de se observar que os termos nem sempre terão o mesmo significado; pois possivelmente, o jardim de uma casa, ou o pátio de uma escola, ou ainda o estacionamento de um condomínio podem ser compreendidos nessa denominação, e nem por isso são espaços públicos ou de livre acesso. Dito isso, o termo passa então a se caracterizar mais ligado à arquitetura e não à acessibilidade. O fato de existir alguma estrutura como parede ou colunas no ambiente, também não são o suficiente para descaracterizá-lo enquanto um espaço aberto. Talvez seja necessária uma visão mais conceitual que estrutural para restringir e simplificar o termo. Como exemplo, uma ruína cujas paredes e teto entejam apenas parcialmente derrubados, e não conseguem mais conter, limitar ou comprimir o espaço cênico, ainda pode se classificar nessa definição, bem como o contrário também é possível. Além dos significados já expressados para esse termo, podemos ainda encontrar outra definição que o atrela a um sentido relacionado a palco/plateia, onde teremos uma visão que direciona o entendimento para outro uso dessa acepção. Trata-se de uma determinação onde não há uma divisão especificada ou marcada que possa dividir os espaços do palco e da plateia, tornando-os assim um espaço unificado ou, um espaço aberto.
• Espaço alternativo – Nesse caso, trata-se de um local escolhido especialmente para se relacionar com a obra teatral que nele será encenada. Esse tipo de espaço passa a tomar um sentido diretamente ligado à proposta cênica. Comumente é escolhido antes ou durante o processo de criação do espetáculo. Não se trata de qualquer espaço onde se apresentam peças teatrais, como um palco italiano ou um anfiteatro; também não se refere a um local apenas não convencional. Aqui o espaço é visto como uma composição da dramaturgia, da encenação. Como exemplo podemos nos referir ao espaço das ruínas de uma prisão escolhida para montagem e apresentação de uma peça que aborde um tema relacionado com o sistema carcerário; ou ainda, um hospital que é utilizado para uma montagem sobre epidemias; ou, toda uma vila de moradores pensada e usada como casa dos personagens da peça. Enfim, a relação com o espaço, aqui, é proposital e vital para o universo cênico da montagem teatral.
• Espaço cênico – Refere-se ao espaço identificado como a área que compreende a evolução dos atores e a composição do elemento teatral, ou seja, o que se coloca para a plateia como elemento da representação cênica. Basicamente é o espaço do palco, ainda que esse possa ser composto também pela plateia. Nessa definição podemos incluir a cenografia, os atores e o que mais possa ser identificado como parte constituinte da cena, tendo sido dado pelo espetáculo e que se concretiza na encenação como algo visível. O termo espaço de representação pode trazer o mesmo significado.
• Espaço convencional – Quando usado no meio teatral esse termo se refere aos espaços construídos especificamente para receber apresentações cênicas. Casas de espetáculo, prédios teatrais, arenas, anfiteatros, entre outros, são exemplos claros de estruturas arquitetadas para o teatro, ou seja, um espaço convencionalmente criado a esse propósito.
• Espaço da plateia – Obviamente limita-se à área ocupada pela plateia. Porém essa área não se restringe de forma exclusiva ao público. É comum que ela seja utilizada simultaneamente por atores e plateia, ou seja, pode haver uma intercessão entre o espaço de atuação e o espaço da plateia. De forma geral, esse tipo de espaço pode confluir com diversos outros, e uma vez que sirva à plateia, basicamente, torna-se fácil de ser identificado, mesmo isolado ou conjugado. Assim, seu uso exclusivo ou compartilhado depende da proposta de encenação.
• Espaço de atuação – Diz-se do espaço onde agem os atores. Sua limitação se restringe à área onde circulam e contracenam os artista do espetáculo. Em alguns casos conflui-se com o espaço da plateia. Em determinadas situações, a denominação espaço de representação também pode trazer o mesmo sentido, mas o mais comum é que essa última se refira ao espaço cênico, não sendo, portanto, propriamente um sinônimo constante para espaço de atuação.
• Espaço de troca – Refere-se à área ou situação que compreende a relação entre ator e o espectador. Tem haver com a recepção, com o momento do jogo. Nem sempre pode ser medido espacialmente em distância ou tamanho, muito embora esteja compreendido na extensão que liga ator e plateia (a conexão de um olhar, por exemplo). O limite é definido pela percepção e resposta que um fornece ao outro. Seja de forma ativa – quando há uma interação de troca física ou verbal também por parte da plateia –, ou de forma contemplativa – quando o jogo se estabelece numa perspectiva mais ligada à recepção –, o jogo e troca se configuram dentro de um determinado espaço e tempo. A relação e conexão é que definem a duração e extensão do espaço de troca.
• Espaço dramático – Concerne ao espaço criado, imaginado pelo espectador, diante as lacunas dadas ou mesmo inventadas por ele dentro da dramaturgia. O mesmo também pode ser atribuído à imaginação do ator. Trata-se de um espaço mental criado a partir da evolução percebida entre os personagens do texto ou pelo imaginário que se cria na encenação. É um espaço abstrato, ficcional, instituído pela imaginação.
• Espaço fechado – Em oposição ao termo espaço aberto, essa definição se caracteriza por conseguir limitar o espaço cênico em um local cujas estruturas físicas, a arquitetura do ambiente, são os delimitadores espaciais. Como exemplo tem-se os teatros à italiana, os palcos elisabetanos (que mesmo com suas aberturas no telhado, ainda sim são estruturalmente muito fechados para se configurar como um espaço aberto), a salas de espetáculo nos mais variados formatos, etc. Enfim, sumariamente são todos os espaços que possuem estruturas limitadoras ao espaço externo. Em outra situação, no caso de se referir à conexão com o espectador, o termo pode servir para definir a limitação do palco em relação à plateia, ou seja, um espaço fechado na área que concerne ao palco.
• Espaço não convencional – Trata-se de todo e qualquer espaço que não tenha sido projetado especificamente para o Teatro, mas que, ainda sim, é usado para encenações. Seja uma casa, uma praça pública, uma quadra de esportes, um local fechado ou aberto, entre outros, o que realmente define esse tipo de espaço é a apresentação cênica num ambiente cuja função comum de uso era outra que não a teatral. Basicamente, toda montagem de Teatro de Rua se apresenta em espaços não convencionais. É preciso atenção para diferenciar esse termo da definição dada a espaço alternativo; pois, embora possam se relacionar, nem sempre será a mesma coisa.
• Espaço teatral – Basicamente compreende as demais definições. O espaço teatral é tudo aquilo percebido e inserido na encenação, visualmente, sonoramente, sensorialmente e mesmo imaginativamente; seja de forma proposital ou apenas circunstancial. Claro que as suas relações dependem de uma série de percepções, tanto da parte de quem assiste (interagindo ativamente ou não) como de quem apresenta um espetáculo. Seja em uma sala fechada, ou em uma rua movimentada, ou diante à fachada de um prédio, ou no pátio de uma escola, ou em palco italiano, tudo o que for notado no espaço pode se relacionar com a encenação; e assim, portanto, passa a estar contido no espaço teatral. A ação dos atores, os signos cenográficos, a imaginação da plateia, a evolução no espaço físico, tudo isso dentre tantas outras situações poderão compor o espaço teatral.

REFERÊNCIAS
ALCANDRE, Jean-Jacques. As articulações do espaço teatral. In: Folhetim – Teatro do pequeno Gesto, nº 16, Janeiro-abril. Belo Horizonte: Teatro do pequeno Gesto, 2003.
BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. Tradução M. Zurawski, J. Guinsburg, S. Coelho, C. Garcia. São Paulo: Perspectiva. 2010.
BROOK, Peter. A porta aberta: reflexões sobre a interpretação e o teatro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
BRYSON, Bill. Shakespeare: o mundo é um palco: uma biografia. Tradução José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
HADDAD, Amir. O teatro e a cidade / o ator e o cidadão. In: Teatro de Rua: Olhares e Perspectivas. TELLES, Narciso (org.); CARNEIRO, Ana (org.). Rio de Janeiro: E-Papers Serviços Editoriais, 2005.
HELIODORA, Barbara. O teatro explicado aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2008.
INHAMUNS, Calixto de. As Dramaturgias dos Espaços Abertos: das Metrópoles às Comunidades Ribeirinhas do Brasil. In: Seminário Nacional de Dramaturgia para Teatro de Rua - Caderno 1 - 2011. Publicação Núcleo Pavanelli. São Paulo: UNESP, 2011.
KOSOVSKI, Lidia. A casa e a barraca. In: Teatro de Rua: Olhares e Perspectivas. TELLES, Narciso (org.); CARNEIRO, Ana (org.). Rio de Janeiro: E-Papers Serviços Editoriais, 2005.
MAIA, Reinaldo. O Teatro no Teatro ou na rua, continua sendo teatro. In: Teatro de Rua em Movimento 1. Produção Tablado de Arruar. São Paulo: Tablado de Arruar, 2004.
MANTOVANI, Anna. Cenografia. São Paulo: Editora Ática, 1989.
MUNIZ, Zilá. O espaço público como espaço cênico – possibilidade de acontecimento e experiência. In: Teatralidade e Cidade. CARREIRA, André (org.). Florianópolis: Ed. da UDESC, 2011 (Cadernos do Urdimento; n.1).
OLIVA, César; MONTREAL, Francisco Torres. Historia básica del arte escénico. Madrid: Ediciones Cátedra, S. A., 1994.
PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. Tradução J. Guinsburg e M. Pereira. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008.
RATTO, Gianni. Antitratado de cenografia: variações sobre o mesmo tema. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 1999.
ROUBINE, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral, 1880-1980. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
TELLES, Narciso. Pedagogia do Teatro e o teatro de rua. Porto Alegre: Editora Mediação, 2008.



[1] Professor do curso de Teatro da Universidade do Estado do Amazonas. E-mail: castroteatro@gmail.com
[2] A palavra rua, aqui entendida de forma ampliada, refere-se a espaços de circulação pública: praças, vias, calçadas, adros, vilas, espaços públicos, etc.
[3] Na definição de Barbara Heliodora: De um lado tínhamos uma arquibancada para a plateia, “e do lado oposto foi erguido um conjunto: a parede que dava para o palco era construída para parecer a frente de um palácio, e era chamada de skene (ou cena), correspondendo ao que hoje chamamos de cenário”; à frente dessa construção tínhamos o palco (proskenion). (2008, p. 22)
[4] A análise do autor se baseia no esboço interno do prédio Swan Theatre, em Londres, desenhada pelo holandês Johannes de Witt. Essa estrutura é bastante semelhante ao interior da réplica do Globe Theater da cidade de Londres dos dias atuais.
[5] Em sua obra Dicionário do Teatro, Pavis considera que definir cada derivação do termo “espaço” seria uma tentativa desesperadora. (2008, p. 132).

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